A Lei 13.827, de 13 de maio de 2019, autoriza, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ. A norma altera a Lei Maria da Penha (11.340/06).
A presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Adélia Moreira Pessoa, explica que foram três os artigos alterados com a nova lei. O primeiro foi o acréscimo do Artigo 12-C, que traz a inclusão de possibilidade de aplicação da medida protetiva de urgência de afastamento do lar do autor da agressão, pelo delegado ou policial de plantão.
“Há grande celeuma quanto à sua constitucionalidade, por entenderem muitos que essas medidas só podem ser determinadas pelo Judiciário. Entretanto, o âmbito de incidência desta norma é restrito aos municípios que não forem sede de comarca e sujeito ao controle jurisdicional em 24 horas como determinado”, diz.
Em relação a esse novo artigo, Adélia lembra que o Brasil ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher (Cedaw, 1979) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994), além de diversos outros instrumentos de proteção à mulher e a Lei 11.340/06, que estabeleceu as medidas protetivas de urgência que, muitas vezes, frente à dimensão continental do Brasil, não são efetivamente aplicadas nos prazos previstos na lei, com a concessão e o cumprimento da medida sendo realizados em tempo incompatível com a urgência necessária.
“Os que se opõem à nova lei alegam sua inconstitucionalidade, entendendo haver ‘reserva de jurisdição’, por atingir direitos fundamentais do autor da agressão, não podendo o policial e nem mesmo o delegado impor tal medida, que cerceia o direito de ir e vir de um cidadão. Quanto ao delegado, não enxergo dessa forma, pois está em jogo um bem maior, protegido constitucionalmente: a vida e integridade física da mulher e seus filhos. Se há colisão de direitos, parece que, usando-se a ponderação, deva prevalecer o direito à vida e integridade da vítima. É preciso lembrar que o delegado realiza o flagrante e mantém preso o cidadão que está em estado de flagrância – a meu ver uma medida mais gravosa do que o referido preceito”, expõe.
Adélia Pessoa destaca que já está estipulado na Lei Maria da Penha, no artigo 11, IV, que, no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências, se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar. Assim, a autoridade policial, mesmo sem autorização judicial, logo que necessário, acompanha a vítima para retirar seus pertences da residência, mesmo que lá se encontre o agressor.
“Entendo um ponto negativo o inciso III do art. 12 C, ao referir-se a lei que a medida poderá ser concedida ‘III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia’. Pareceu-me muito genérica, muito abrangente, como que isentando o Estado da obrigação de disponibilizar delegados em todos os municípios”, sinaliza.
Quanto ao parágrafo 2º do artigo 12 C, ora incluído na lei, “nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso”, Adélia Moreira Pessoa diz que refere-se especialmente à prisão em flagrante, não se permitindo, na hipótese prevista, a liberdade provisória do agressor, se em risco a integridade física das vítimas, o que vem ocorrendo repetidas vezes na audiência de custódia, culminando em novas violências contra a vítima que “ousou comunicar o fato à polícia” ou mesmo em feminicídios.
“É medida gravosa, sem dúvida, mas o que está em jogo é a vida das mulheres e de seus dependentes. Há necessidade de se implantar o Formulário de Risco – Frida, que já foi construído pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, precioso instrumento que deve ser utilizado pelos operadores de Direito e demais profissionais que trabalham com as mulheres em situação de violência doméstica para avaliação de risco”, afirma.
CNJ
A Lei 13.827/19 acrescenta o Art. 38-A na Lei Maria da Penha para determinar o registro das medidas protetivas de urgência, em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Tal medida, para a presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do IBDFAM, é salutar, pois haverá um quadro real das medidas protetivas de urgência de modo a fomentar as políticas públicas necessárias e avaliar a relação das Medidas Protetivas de Urgência com a prevenção a novas violências e especialmente aos feminicídios.
“Impende salientar que a regulamentação deste artigo pode realmente propiciar inclusão de outras informações relevantes quanto ao acompanhamento dessas medidas. Não vejo aspecto negativo nesta determinação. Será facilitada a avaliação: a medida protetiva de urgência é eficaz na prevenção de feminicídios? É eficaz na prevenção de novas violências contra a mulher? Haverá possibilidade de acompanhamento mais efetivo da medida protetiva de urgência?”, diz.
Agressões à mulher deficiente
Na terça-feira, 4 de junho, foi sancionada a Lei nº 13.836, que torna obrigatório informar no boletim de ocorrência policial a condição de pessoa com deficiência da mulher vítima de agressão doméstica ou domiciliar.
A lei diz que no B.O. deve constar a informação sobre a condição da vítima e se a violência sofrida resultou em sequela, deixando-a com algum tipo de deficiência ou em agravamento de deficiência preexistente.
Adélia Pessoa destaca que este novo dispositivo vem fornecer informações relevantes para a tipificação do crime, inclusive com incidência de aumento de pena por ser a vítima pessoa com deficiência ou que haja consequências mais gravosas do crime.
Entretanto, ela diz que a norma parece um tanto supérflua, porque a delegacia normalmente já faz isso, apurando as circunstâncias do fato delituoso.
“O que me parece, não obstante esta grande produção legiferante, é que precisamos repetir sempre: a Lei não basta para acabar com a violência de gênero. São necessárias políticas públicas efetivas que venham alterar a cultura machista que leva a relações sociais desiguais, em detrimento da mulher. Precisamos que a Lei Maria da Penha seja realmente cumprida em seus eixos de prevenção, educação e de assistência à vítima e familiares, que são muitas vezes as vítimas indiretas. A responsabilização criminal sozinha não resolve. É necessário implantar realmente as medidas previstas na Lei Maria da Penha para ressocialização do autor da agressão, para que se evitem reiterações de conduta”, afirma.