Por Larissa Maria de Moraes Leal

Nesta terça-feira (25/6), a Comissão de Constituição e Justiça do Senado estará reunida em audiência pública para instruir o PLC 175/2017, que “regula a profissão de leiloeiro público oficial”.

Não obstante o fato de que a leiloaria, atualmente, reclama nova regulação, o ponto principal de controvérsia, entre os próprios leiloeiros, está na disposição constante da proposta do artigo 2º, parágrafo 2º, do projeto, verbis:

“Art. 2º (…)

Parágrafo 2º. Nos leilões judiciais, de alienação fiduciária (Lei 9.514/1997) e da administração pública direta ou indireta, os bens serão leiloados por leiloeiro matriculado na Unidade da Federação onde se encontram localizados, no caso de bens imóveis, ou armazenados, no caso de bens móveis”. (grifo nosso)

O referido projeto de lei é originário da Câmara dos Deputados (PL 2.524 de 2011), de autoria do deputado Carlos Manato, e está coerente e conexo com toda a legislação brasileira que regulamenta as situações de alienação fiduciária e com a Constituição Federal, que garante o acesso à Justiça a todos. Como poderia ser diferente?

Não apenas “poderia” como “deveria”, tão somente, no entender de um pequeno grupo de leiloeiros, uma minoria, que tem defendido, nos meses mais recentes, que a limitação territorial não deve incidir, ancorados no argumento de multiplicidade domiciliar albergado por nossas normas.

Pregam, em síntese apertada, que os leilões decorrentes da retomada de bens submetidos a alienação fiduciária seriam fruto de uma relação particular, de um contrato de confiança entre o leiloeiro público oficial e, via de regra, instituições financeiras.

Em seu argumento, que restringe o leilão de um bem, móvel ou imóvel, a uma relação contratual entre leiloeiro e os bancos, restam esquecidos os consumidores, os cidadãos, milhões de pessoas que fazem empréstimos para a aquisição de imóveis para moradia ou de veículos e estão sujeitas a cair em mora.

A relação entre o leiloeiro e a instituição que promoveu a retomada do bem não pode excluir o mutuário. Primeiro porque o valor de venda, em leilão, do bem será destinado ao pagamento da dívida desse “terceiro”. Segundo porque, via de regra, o bem chega a leilão por meio de procedimento judicial, que tem suas competências definidas por estados.

Esse universo federal e particular, no qual autonomia e confiança entre leiloeiros e instituições financeiras devem nortear os leilões de bens destinados à moradia de famílias, pode existir apenas, e somente apenas, como fruto do interesse dessa minoria que tem avançado, a passos largos, na última década, rumo a um monopólio das funções de leiloaria.

Imaginemos a situação: a mutuária teria sua casa de moradia da família retomada pelo banco em Patos (PB) e essa casa seria alienada em leilão no Recife ou em São Paulo. Essa mesma mutuária, que contou com a Defensoria Pública da Paraíba no processo de execução da dívida, iria acompanhar a alienação e exercer seus direitos de acesso à Justiça em outro estado como?

Se no Brasil as diferenças regionais, dentro dos próprios estados, já tornam difícil o acesso à Justiça e o exercício de um legítimo direito de defesa ou de acordos, o convite aqui feito é para que o leitor imagine essa dificuldade em dimensões nacionais.

Seria de causar estranhamento que tal discussão fosse levada, assim às escâncaras, ao Senado Federal, nossa Casa revisora. Mas quem acompanha o mercado de leiloaria — e aqui o termo é utilizado, apesar de sua inadequação — tem conhecimento de que, no limbo normativo em que o ofício dos leiloeiros se encontra, a ideia de segurança jurídica tornou-se apenas uma quimera.

A profissão continua mal e mal regulamentada pelo Decreto 21.981, de 1932, já amputado na maioria de seus dispositivos, e parcialmente aplicado pelas juntas comerciais dos estados.

Acompanhando a nova dinâmica de ativismo “legislante” de outros poderes, a leiloaria tem sido também regulada, de modo absolutamente inapropriado, por instruções normativas. As primeiras foram de lavra do antigo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) e, atualmente, temos as instruções do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei). Em ambos os casos, os departamentos transbordaram em suas competências e, na prática, editaram verdadeiras normas de natureza legal, em uma invasão de competências própria de nossos tempos.

A audiência pública desta terça reclama olhares atentos e participação popular. O projeto de lei poderia ser discutido em vários outros aspectos, mas o ponto aqui destacado é, certamente, um dos maiores acertos da lei que se propõe: é preciso garantir que os mutuários do Brasil tenham direito a exercer os seus direitos fundamentais de acesso à Justiça.